Na noite de 27 de Março de 2013 um ex-primeiro ministro (tudo com letra pequena) da república Portuguesa (também com letra pequena) quebrou 2 anos de silêncio auto-imposto.
A entrevista ao referido senhor foi vista por um número estimado de 1,6 milhões de pessoas, batendo inclusive a ultima entrevista do actual primeiro-ministro (também com letra pequena) Passos Coelho já em plena crise económica.
As redes sociais, twitter, facebook e a blogosfera acompanharam e reagiram, ao minuto e ao segundo, a cada uma das suas palavras, uns manifestando-se a favor, outros manifestando-se contra, muito poucos sem opinião em relação ao que ouviam.
No dia 28 de Março de 2013 as conversas nos escritórios, nas fabricas, nos cafés, em todo o lado, redundam inevitavelmente no prós e contras da referida entrevista, alimentando e efervescendo o fervor partidário de uns e outros.
Objectivamente, entre as 21h do dia de ontem e as horas a que escrevo, Portugal não viu a sua situação económica e social melhorar, os players europeus e mundiais não decidiram aliviar a pressão sobre o país, "os mercados" não ficaram a olhar para Portugal de maneira diferente (aliás a bolsa portuguesa abriu em forte baixa), mas, mais importante que tudo isso, a vida de todos os portugueses que passam dificuldades não melhorou...
Então, sabendo o que sabemos, porque será a entrevista de ontem tema nacional? Mas mais importante, quem decidiu que seria oportuno neste momento convidar José Sócrates para voltar à vida politica?
Todos sabemos que a televisão publica é controlada, em termos de opções editoriais politicas, pelo actual governo (também com letra pequena) PSD/CDS.
Parece pois estranho que estes dois partidos e o "ministro da Tutela" tenham entendido mandar convidar o aqui-inimigo José Socrates para voltar à vida politica, dando-lhe espaço de antena para proceder à inevitável limpeza de imagem.
Mas isto só é estranho para quem acha que o seu partido é melhor que o outro e/ou que ainda tem a ilusão de que os partidos competem entre si pela supremacia nacional.
A verdade é outra, os partidos (especialmente os com assento parlamentar) competem juntos com todos os outros movimentos que ofendam a lógica partidária. A rotatividade no poder é acompanhada por uma enorme cumplicidade e pareceria, quer a nível local quer a nível nacional. Os pactos de não agressão em Câmaras e em Institutos públicos é transversal, o que interessa é manter a dinâmica castradora da lógica partidária, porque em ultima linha, todos dela beneficiam.
Desde a eleição do actual governo e até às 21 horas do dia de ontem, a lógica partidária vinha sofrendo o maior desgaste de imagem de que há memória em Democracia. Nunca como agora se falou tanto em movimentos apartidários, ideias fracturantes como a votação em listas de cidadãos individuais, a possibilidade de pessoas não filiadas se candidatarem (por si) aos cargos electivos, manifestações com recordes de adesão convocadas no Facebook e com expressa indicação do seu carácter apartidário. Ex-Presidentes da República a alertar publicamente para o total desfasamento psicológico e social entre a classe politica e a restante população portuguesa.
Isto não é visto como um perigo apenas para os partidos que compõe o Governo, não nos enganemos, isto ameaça directamente o estilo de vida de todos os partidos que beneficiam do status quo.
O que se passou ontem às 21 horas foi o "sistema partidário" a reagir à mudança de paradigma social e politico que a crise económica provocou. Os portugueses estão hoje mais informados e mais atentos que nunca. Não porque queiram, mas porque sentem que isso é importante para as suas vidas. Aumentou a exigência, aumentou a fiscalização e baixou drasticamente a tolerância. Urge encontrar soluções "fora da caixa"...
E eis que aparece José Sócrates na televisão pública com permissão e a convite do actual Governo (Não precisa de ser oficial, é-o de facto).
O unanimismo que se formava quanto à necessidade de mudar, mudar realmente, não de Governo, mas de Sistema de Gorvernação é agora consumido pelo prós e contras. Pela discussão e comparação entre a mediocridade, entre aquele de entre os principais players políticos da actualidade (Seguro não conta) que é melhor que o outro.
Acendem-se os ânimos, resvala-se para o partidarismo e esquece-se tudo o resto...
Ontem Miguel Judice dizia na SIC Noticias qualquer coisa como: "Pois, eu vim cá hoje para falar sobre o País, mas inevitavelmente estamos e temos de falar sobre José Sócrates".
Atenção, isto não é pontual, José Sócrates vai falar semanalmente na TV e garanto, semanalmente haverá assunto politico a consumir os opinadores e alimentar os ânimos do prós e contras, mantendo o acessório como essencial na vida dos portugueses.
Tudo isto é pensado, tudo isto é estudado. Se se reparar, a divisão ao meio da sociedade portuguesa que foi ontem alimentada logo nos primeiros minutos de entrevista quando José Sócrates culpa "A Direita", pelo estado das coisas. Assim, podem continuar os portugueses a perder tempo com a divisão meramente ideológica de Esquerda/Direita que na prática pouco ou nada tem influência nos actos governativos do chamado CENTRÃO que governa este País nos últimos 30 anos.
Isto já para não falar das expressões: "Narrativa" e "Embuste", usadas para uma adesão fácil que se propagam à velocidade da luz pelas redes sociais e rapidamente substituirão outras como "Colossal". É já na próxima sessão do parlamento, vai uma aposta?
Como o Flautista de Hamelin, primeiro levou os "ratinhos", a seguir e com o tempo levará as "crianças", perde esta cidade de Hamelin a que chamamos Portugal que como na fábula dos Irmãos Grimm ficará triste e sem vida, perdida novamente na fútil e estéril discussão partidária, continuando a confundir o acessório com o essencial e confiando que o problema nacional é um problema de caras, quando na realidade, é um problema de Sistema Governativo e um enorme e profundo problema social.
Acorda Portugal!